Se você ficar acordado à noite pensando no sentido do universo,
provavelmente acabará em um manicômio. Por que o espaço, as estrelas, os
planetas, nós existimos? Qual o objetivo de tudo isso?
Eis uma pergunta que tem as mais variadas respostas – geralmente
filosóficas. Sob a ótica científica, no entanto, há uma teoria
interessante que dá uma espécie de “razão de ser” para o nosso universo e
todos os objetos que flutuam nele. Se ela for verdade, significa que
ele não passa de um gerador de buraco negro, ou um meio de produzir
quantos universos bebês for possível.
A teoria, chamada de Seleção Natural Cosmológica (Cosmological
Natural Selection), foi conjurada por Lee Smolin, pesquisador do
Instituto Perimeter de Física Teórica e professor adjunto de física da
Universidade de Waterloo, ambos no Canadá.
A ideia proposta por Smolin gira em torno do fato de que os processos
darwinianos se aplicam mesmo à extrema macroescala do universo e a
entidades não biológicas. Como o universo é uma potencial unidade de
replicação, o cientista sugere que é sujeito a pressões seletivas. Por
conseguinte, quase tudo o que o universo faz é voltado para a
replicação.
“É um cenário que explica como as leis da natureza são escolhidas”,
disse Smolin. “Se a minha teoria for verdade, esses parâmetros no nosso
universo são voltados para maximizar o número de buracos negros feitos”.
Os buracos negros e suas singularidades cosmológicas são centrais
para a teoria de Smolin. Estas são regiões do espaço-tempo nas quais as
quantidades utilizadas para medir os campos gravitacionais ou de
temperatura tornam-se infinitas, e a relatividade geral deixa de ser
útil.
A relatividade geral clássica diz que uma singularidade existe dentro
de cada buraco negro. Mas tanto a teoria das cordas quanto a gravidade
quântica sugerem que as singularidades de buracos negros podem ser
eliminadas – e quando isso acontece, pode ser possível descrever a
evolução futura da região do espaço-tempo dentro dele.
“Tudo o que cai em um buraco negro não atinge a singularidade
cosmológica e para de evoluir, de modo que o tempo simplesmente chega ao
fim – o tempo continua e tudo o que caiu no buraco negro teria um
futuro, e essa região é o que chamamos de um universo bebê”, explica
Smolin.
Estes universos bebês são imunes a tudo o que acontece nos “universos
pais”, incluindo inflação eterna e sua morte térmica. E, como a teoria
de Darwin sobre a variação e seleção, Smolin também supõe que universos
bebês são um pouco diferentes dos pais. Por sua vez, essa “mutação”
cosmológica – em que os parâmetros da natureza foram ligeiramente
modificados – pode resultar em um novo universo que é melhor ou pior em
termos de capacidade de replicação.
Por exemplo, se a constante cosmológica e velocidade da luz forem um
pouco diferentes, ou se a lei da gravidade se tornar muito fraca ou
forte, o novo universo poderia ser subótimo em sua capacidade de fazer
grandes quantidades de estrelas de grande massa. Em tal universo, a
matéria pode não ser capaz de fundir-se em estrelas, ou pode ser incapaz
de formar galáxias.
Neste modelo, um universo “adequado”, portanto, seria um que
evoluísse de tal forma que a sua capacidade de produzir buracos negros
fosse otimizada. E isso pode explicar porque observamos um universo que
produz estrelas gigantes – cada uma é uma tentativa de fazer um universo
bebê.
A ideia da variação cosmológica, no entanto, é pura conjectura. “É uma hipótese”, admite Smolin.
Mas a teoria das cordas pode ser um mecanismo potencial para
explicá-la. “Ela descreve uma paisagem de diferentes parâmetros
cosmológicos, transições de fase diferentes, e isso é quase exatamente o
tipo de exemplo que eu tinha em mente quando tentei explicar a variação
das constantes”, disse.
Smolin também não sabe quantos universos bebês cada buraco negro é
capaz de produzir, mas suspeita que seja um por buraco negro. “A
resposta vai depender da teoria quântica da gravidade”, explica.
Se o propósito do universo é criar o máximo de universos bebês
possível, a vida humana é apenas um acidente? Os seres humanos e todos
os outros organismos são um mero epifenômeno, um espetáculo à parte de
um processo muito maior?
“Se a hipótese da seleção natural cosmológica for verdadeira, então a
vida – e o universo sendo amigável à vida – é uma consequência do
universo ser bem adequado para a produção de buracos negros, produzindo
muitas, muitas estrelas massivas”, disse Smolin, com ênfase no “se”.
Outros cientistas argumentam, inversamente, que o universo é
assustadoramente biofílico, ou seja, que as leis da natureza parecem ser
orientadas para a vida. Alguns até sugerem que essa é a finalidade do
universo – gerar organismos biológicos (a hipótese do biocosmo).
Da mesma forma, os filósofos trazem à tona o Princípio Antrópico – a
noção de que qualquer análise do universo e do que acontece dentro dele
PRECISA levar em conta a presença de observadores (ou seja, vida
inteligente). Sob essa ótica, estamos sujeitos a um efeito de seleção
observacional, argumentam eles, o que significa que só podemos observar
um universo que é amigável à vida.
Smolin, por outro lado, deixa essas linhas de argumentação de lado,
dizendo que os cosmólogos devem estudar e compreender as propriedades do
universo de uma forma que não o conecte a vida.
Segundo ele, o Princípio Antrópico é incapaz de fazer uma previsão falsificável para qualquer tipo de experimento testável (uma teoria só é científica
se existe a possibilidade de serem concebidos testes que provem que é
falsa, ou seja, se é falsificável), enquanto a seleção natural
cosmológica é capaz exatamente disso.
Além do mais, as leis do universo podem ser explicadas sem referência
alguma a vida. Não é uma coincidência que vivemos em um mundo que tem
muito carbono e oxigênio, segundo Smolin: a presença destes elementos
aparentemente adequados à vida tem uma explicação perfeitamente boa fora
do paradigma biofílico. Esses, por exemplo, criam as condições
necessárias para a formação eficiente de estrelas suficientemente
grandes que formam buracos negros.
A teoria de Smolin parece extraordinária, mas não passou longe das críticas de outros cientistas.
O cosmólogo Joe Silk, por exemplo, diz que o universo que observamos
está longe de ser um produtor ideal de buracos negros. Ele especula que
outras “versões” de universo poderiam fazer um trabalho muito melhor
nisso.
Da mesma forma, Alexander Vilenkin argumenta que a taxa de formação
de buracos negros pode ser melhorada através do aumento do valor da
constante cosmológica. Segundo ele, Smolin está errado em teorizar que
os valores atuais de todas as constantes da natureza são perfeitamente
ajustados para maximizar a produção de buracos negros.
Já Ruediger Vaas reclama que o primeiro erro de Smolin foi fazer
analogias com processos darwinianos. A aptidão dos universos de Smolin
não é limitada pelo ambiente, mas pelo número de buracos negros. Além
disso, embora os universos de Smolin tenham taxas de replicação
diferentes, elas não competem entre si, o que ele considera um
componente crucial de qualquer processo darwiniano.
Segundo o professor de física teórica da Universidade de Stanford
(EUA) Leonard Susskind, Smolin acredita que as constantes da natureza
são determinadas pela sobrevivência do mais forte – o mais apto a se
reproduzir -, que as propriedades que levam a maior taxa de reprodução
dominarão a população de universos, e que a probabilidade esmagadora é
que vivemos em tal universo – mas essa lógica pode levar a conclusões
ridículas. No caso da inflação eterna, levaria à previsão de que nosso
universo tem a constante cosmológica máxima possível, já que a taxa de
reprodução não é nada a não ser a taxa de inflação.
Smolin conhece essas objeções e disse que muitas dessas preocupações foram abordadas em seu livro, “A Vida do Cosmos”
(publicado no Brasil pela editora UNISINOS), e que seu próximo livro,
“Time Reborn: From the Crisis in Physics to the Future of the Universe”
(em tradução livre, algo como “Tempo de renascer: da crise na física ao
futuro do universo”), vai também enfrentar muitas dessas questões.
“Minha impressão é que minha ideia ainda não foi refutada, embora
várias pessoas tenham tentado”, disse. “Isso não significa que é
verdadeira, mas que resistiu a tentativas de falsificá-la”.
De acordo com Smolin, a parte mais importante da sua reivindicação é
que é um argumento científico. “A ideia em si não é a coisa mais
importante. Ela instancia uma reivindicação geral de que, se você quiser
explicar o universo, uma das coisas que você vai ter que explicar é por
vemos certas leis da natureza, e não outras. A alegação que estou
fazendo é que esta questão pode ser de fato respondida cientificamente –
uma alegação que vai nos levar em direção a uma maneira de fazer
previsões para ver se as leis da natureza não são fixas, mas evoluem.
Esse é o ponto chave para mim”, conclui.
Fontes: http://io9.com/
http://duvida-metodica.blogspot.com.br/
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