domingo, 13 de maio de 2012

Impulso para a realidade quântica

Teóricos dizem poder provar que funções de onda são estados reais

O status filosófico da função de onda – quem determina a probabilidade de resultados diferentes em medidas de partículas quântico-mecânicas – pode parecer um assunto improvável para debates calorosos. Mesmo assim, discussões on-line sobre um artigo que afirma mostrar matematicamente que a função de onda é real causaram deslumbramento e também rejeições desde que foi liberado como preprint em novembro de 2011.

O trabalho, que alguns acreditam ser um dos mais importantes para as fundações quânticas em décadas, foi finalmente publicado na semana passada na Nature Physics, permitindo que os autores, que estavam preocupados em não violar o embargo do periódico, falassem publicamente sobre ele pela primeira vez. Eles declaram que a matemática não deixa dúvidas a respeito de a função de onda não ser apenas uma ferramenta estatística, mas um estado real e objetivo de um sistema quântico. “As pessoas se vincularam emocionalmente a posições que defendem com argumentos vagos”, declara Jonathan Barrett, um dos autores do trabalho e físico do Colégio Royal Holloway da University of London. “É melhor ter um teorema”.

Os autores têm alguns pesos-pesados a seu favor: a visão deles já foi compartilhada pelo físico austríaco e pioneiro da mecânica quântica Erwin Schrödinger, que propôs em seu famoso experimento mental que um gato quântico-mecânico poderia estar morto e vivo ao mesmo tempo. Já outros físicos preferiram uma visão oposta, sustentada por Albert Einstein: que a função de onda reflete o conhecimento parcial que um experimentador tem sobre um sistema. Nessa interpretação, o gato está vivo ou morto, mas o experimentador não sabe ao certo. Essa interpretação “epistêmica”, argumentam muitos físicos e filósofos, explica melhor o fenômeno do colapso da função de onda, no qual um estado quântico é fundamentalmente modificado ao ser medido.

Barrett e seus colegas estão seguindo a abordagem do físico John Bell que, em 1964, provou que a mecânica quântica tem outra implicação contraintuitiva: realizar medidas em uma partícula pode influenciar o estado de outra, mais rápido do que permitiria a velocidade da luz. O teorema de Bell era de “impossibilidade”: sua estratégia era mostrar que teorias que não permitem influências mais rápidas que a luz não conseguem reproduzir as previsões da mecânica quântica. De maneira parecida, o teorema proposto por Barrett mostra que teorias que tratam a função de onda em termos de falta de conhecimento sobre o estado físico de um sistema também falharão em reproduzir essas previsões. Uma vez que a mecânica quântica já foi bem confirmada, o teorema sugere que as teorias epistêmicas estão erradas. “Espero que esse trabalho tome seu lugar ao lado do teorema de Bell”, declara Barrett.

Se a função de onda simplesmente reflete a incerteza do experimentador, então diferentes funções de onda poderiam representar a mesma realidade subjacente, observa Terry Rudolph, um dos autores do artigo e físico do Imperial College London. Rudolph cita como exemplo um dado que pode ser preparado para mostrar números pares, com uma probabilidade de 1/3 de se obter 2, 4 ou 6; ou números primos, com uma probabilidade de 1/3 de se obter 2, 3 ou 5. O estado real “2” pode ser produzido por qualquer um dos métodos de preparação e, dessa forma, a mesma realidade se torna subjacente a dois modelos probabilísticos diferentes. Os autores mostram, porém, que a mesma realidade não pode reforçar diferentes estados quânticos.

O teorema depende de uma suposição controversa: que os sistemas quânticos têm um estado físico objetivo subjacente. Christopher Fuchs, físico do Perimeter Institute em Waterloo, no Canadá, que trabalha com o desenvolvimento de uma interpretação epistêmica da mecânica quântica, diz ter evitado as interpretações que os autores excluem. “A função de onda pode representar a ignorância do experimentador em relação aos resultados das medidas, e não a realidade física subjacente”, argumenta ele. O novo teorema não exclui essa possibilidade.

Ainda assim, Matt Leifer, físico do University College London, que trabalha com informação quântica, aponta que o teorema ataca uma questão profunda de forma simples e clara. Ele diz também que esse teorema poderia vir a ser tão útil quanto o teorema de Bell, que acabou tendo aplicações em teorias de informação quântica e em criptografia. “Ninguém pensou que o trabalho pudesse ter aplicações práticas, mas eu não ficaria surpreso se tivesse”, diz ele.

Por ser incompatível com a mecânica quântica, o teorema levanta uma questão mais profunda: a mecânica quântica poderia estar errada? Todos supõem que ela reina suprema, mas há sempre a possibilidade de ser destronada. Assim, Barrett está trabalhando com experimentalistas para verificar as previsões que diferem entre teoria e dados com os quais ela entra em conflito. “Não esperamos que a mecânica quântica seja reprovada nesse teste, mas devemos realizá-lo de qualquer forma”.

Fonte: http://www2.uol.com.br/sciam