Quase nada é mais óbvio do que o fato de que o tempo flui do passado
(que nos lembramos) para o futuro (que não temos). Os cientistas e os
filósofos chamam isso de “seta psicológica do tempo”. O café quente
deixado em sua mesa esfria, e nunca se aquece por conta própria, o que
reflete a “seta termodinâmica do tempo”.
Em um trabalho publicado
na revista “Physical Review E”, dois físicos argumentam que essas duas
noções independentes de tempo – uma com base na psicologia e uma baseada
na termodinâmica – sempre devem alinhar-se.
Os princípios da
termodinâmica mostram que grandes coleções de partículas, como os
trilhões de trilhões de moléculas de líquido em um copo de café, sempre
se movem em direção a arranjos mais desorganizados. Por exemplo, as
moléculas de água quente aglutinadas em uma sala fria precisam de muita
organização, então bebidas quentes eventualmente esfriam até atingir a
temperatura ambiente. Os físicos dizem que tais arranjos desorganizados
têm alta entropia, enquanto arranjos organizados têm baixa entropia.
No
entanto, as equações que os físicos usam para descrever os movimentos
simultâneos de um grande número de partículas são igualmente válidas se o
tempo corre para a frente ou para trás. Por isso, quase todo o complexo
arranjo da matéria vai ganhar entropia não importa em que direção o
tempo flua.
O nosso universo aparentemente começou com o Big Bang,
que era uma combinação especial de baixa entropia. Isso dá origem a
seta termodinâmica do tempo, conforme os cosmólogos observam, uma vez
que o universo está evoluindo de um passado de baixa entropia para um
futuro de maior entropia.
Todd Brun, físico da Universidade do Sul
da Califórnia, em Los Angeles (EUA), afirma que ambas as setas do tempo
são tão intuitivas que é difícil perceber a sua distinção.
No
século passado, físicos e filósofos começaram a tentar unir as setas
termodinâmica e psicológica. Muitos pesquisadores observaram que os
objetos do mundo real que armazenam memórias – como os cérebros humanos e
discos rígidos de computadores – muitas vezes aquecem conforme operam. A
geração de calor aumenta a entropia e é um processo irreversível, por
isso, as leis da termodinâmica exigem que tais objetos só possam ser
executados em uma direção: do passado para o futuro.
Mas as
lembranças não precisam gerar calor, apontam Brun e o físico Leonard
Mlodinow, do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Por exemplo, ondas
na lagoa registram uma pedra caindo na água, e ainda poderiam, em
princípio, fazer o sentido inverso. Os pesquisadores se perguntaram, tal
memória poderia lembrar o futuro ao invés do passado?
Para
responder a esta pergunta, Mlodinow e Brun conduziram o que é conhecido
como um experimento de pensamento. Eles imaginaram um sistema em que
uma câmara cheia de partículas quicando é ligada a uma câmara vazia
quase do mesmo tamanho, por um túnel através do qual as partículas podem
passar uma de cada vez – uma configuração de baixa entropia semelhante à
concentração de matéria no início universo. Embora as partículas possam
atravessar de um recipiente para o outro, a termodinâmica garante que,
eventualmente, as duas câmaras vão conter números aproximadamente iguais
de partículas.
Se um rotor está configurado para girar cada vez
que uma partícula passa através do túnel, e cada volta do rotor é
registrada, este registro iria mostrar o arranjo de partículas em
qualquer momento no passado. Contudo, de acordo com as leis do
movimento, as localizações futuras das partículas são completamente
determinadas por suas trajetórias atuais, e se em algum momento o fluxo
do tempo fosse invertido, as partículas iriam retornar à sua
configuração inicial de baixa entropia. Assim, os autores escrevem que o
rotor pode ser visto como uma gravação também do futuro do sistema –
uma particularidade apontada mais de 200 anos atrás pelo matemático
francês Pierre-Simon de Laplace.
Mas Mlodinow e Brun dizem que há
um porém. Se fosse para ajustar apenas um pouco o estado futuro do
sistema, alterando a posição ou a velocidade de uma ou mais partículas, e
depois executá-lo na ordem reversa, o sistema já não diminuiria em
entropia: aumentaria.
As partículas começariam a se mover como
filme sendo reproduzido ao contrário, mas, em qualquer caso, exceto nos
sistemas mais simples, as partículas alteradas logo colidiriam com as
outras e causariam uma reação em cadeia. Qualquer registro do sistema em
breve já não se assemelharia ao quadro correspondente do filme
original.
Apenas
a organização exata das partículas resultantes de um estado inicial de
baixa entropia pode evoluir de trás para frente no tempo para chegar a
um estado com um alto grau de ordem como esse, escrevem os autores.
Mesmo reorganizações menores no sistema, não importa o quão semelhantes,
irão, ao invés disso, evoluir de trás para frente em direção a maior
entropia. Em outras palavras, para qualquer condição inicial, o rotor
será capaz de “lembrar” apenas um futuro que não viola a seta
termodinâmica do tempo.
Os
pesquisadores argumentam que esta especificidade contradiz a definição
de uma memória. Eles explicam que a memória deve ser capaz de incluir
todas as maneiras pelas quais um sistema pode evoluir e não apenas uma
em particular. Por exemplo, seu cérebro será capaz de gravar
praticamente qualquer série de eventos que acontecem com você nas
próximas três horas. Se fosse capaz de gravar apenas uma determinada
série de eventos, como um velocímetro preso em uma velocidade, seu
cérebro não teria uma memória funcional. Devido a esse requisito, até
mesmo uma memória simples e reversível pode gravar apenas o passado
termodinâmico e não o futuro.
Segundo Craig Callender, filósofo de
física na Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), com a sua
experiência de pensamento, Mlodinow e Brun criaram uma definição nova e
útil de uma memória. “É novo no sentido de que eles estão realmente
construindo em uma condição para o que a memória seja”, afirma.
Lorenzo
Maccone, da Universidade de Pavia (Itália), concorda que a pesquisa dos
autores levanta um ponto importante, argumentando que mesmo uma memória
reversível deve ter uma seta do tempo. Porém, ele acha que o
experimento dos autores não descreve exatamente como o rotor iria gravar
as futuras configurações das partículas. Sem tal descrição, Maccone
alega não estar completamente convencido da explicação oferecida pela
dupla.
Andreas Albrecht, cosmologista da Universidade da
Califórnia em Davis (EUA), queria que os autores tivessem questionado as
premissas por trás da seta termodinâmica do tempo. Em um artigo recentemente publicado no portal arxiv.org,
Albrecht argumentou que pode haver maneiras de obter uma seta
termodinâmica sem a necessidade de que toda a matéria do universo comece
em uma combinação altamente incomum. Ao tomar esta combinação como um
dado, Mlodinow e Brun teriam perdido uma oportunidade de explorar outras
configurações iniciais possíveis. “[O estudo] aproxima-se tanto de
questões [cosmológicas] incrivelmente interessantes e, em seguida,
apenas passa por elas”, critica Albrecht.
Fonte: http://www.insidescience.org/
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