Um esqueleto datando de mais de 12.000 anos atrás está ajudando a
resolver um mistério: o de como os primeiros seres humanos chegaram nas
Américas e adquiriram a aparência que hoje têm.
Os antropólogos se
intrigavam com a ideia dos nativos americanos não se parecerem muito
com seus ancestrais, que migraram para as Américas durante o
Pleistoceno, época que englobou a última idade do gelo e terminou cerca
de 12.000 anos atrás.
Os crânios antigos são maiores, com rostos
mais estreitos e mais “para frente”, e se parecem mais com os povos
nativos da África, Austrália e sul da costa do Pacífico do que com seus
supostos descendentes americanos.
Os pesquisadores não sabiam se
essas diferenças eram o produto de mudanças evolutivas nas populações
que chegaram aqui, ou se os paleoamericanos, os primeiros habitantes das
Américas, foram substituídos por outra população com mais recursos e
mais parecida com os nativos americanos posteriores.
Agora, uma
equipe liderada pelo arqueólogo James Chatters relatou na revista
Science a descoberta do mais antigo e completo esqueleto já encontrado
nas Américas, com idade entre 12 e 13 mil anos. O esqueleto contém
características craniofaciais de antigos paleoamericanos, bem como DNA
mitocondrial possuído pelos modernos nativos americanos.
A descoberta
O
esqueleto, apelidado de “Naia” (nome grego antigo relacionado com
ninfas de água), pertencia a uma adolescente que caiu mais de 30 metros
dentro de uma elaborada rede de cavernas cársticas que estavam em grande
parte secas no final do Pleistoceno.
Os
mergulhadores que encontraram Naia na caverna da península mexicana de
Yucatán nomearam a sepultura de Hoyo Negro (“buraco negro”, em
espanhol).
O rosto de Naia é estreito com olhos bem-definidos, uma testa
proeminente baixa, um nariz achatado e dentes que se projetam para fora –
o oposto do que os nativos americanos se parecem hoje. Mas seu DNA
conta outra história.
“Esta é a primeira vez que temos dados
genéticos de um esqueleto que apresenta estas características faciais”,
disse Deborah Bolnick, geneticista antropológica da Universidade do
Texas em Austin (EUA) e uma das coautoras do estudo.
História (e por que o Brasil está nela)
Análises
genéticas dos modernos nativos americanos indicam que eles descendem de
uma população fundadora que se originou na Ásia. Eles foram isolados de
outros grupos populacionais durante milhares de anos em algum lugar
dentro ou perto da região conhecida como Beríngia, uma ampla faixa de
terra que ia da Sibéria ao Alasca durante o último máximo glacial.
Foi lá que essa população fundadora da América desenvolveu seus marcadores genéticos únicos.
Essa
teoria, chamada de teoria mongólica, dita, então, que o homem americano
migrou para a América há cerca de 15.000 anos através do Estreito de
Bering. Os primeiros povos que migraram para cá, por sua vez, originaram
todos os povos americanos, incluindo os nativos índios do Brasil.
Alguns
cientistas argumentam que o ameríndio possui origem múltipla, migrando
não só através da Beríngia, como também das Ilhas do Pacífico, oriundos
da Polinésia e Austrália. Já outros debatem essa ideia dizendo que o
houve, na verdade, foram ondas sucessivas de imigrações.
Um
trabalho científico de dois geneticistas brasileiros, Sérgio Danilo Pena
e Fabrício Santos, publicado na revista Science em março de 1999,
confirma o parentesco genético entre tribos de seis países americanos
(Brasil, Peru, Argentina, Colômbia, México e Estados Unidos) e um
pequeno povoado nas Montanhas Altai, localizado entre a Sibéria, Rússia e
Mongólia. Este trabalho foi apresentado como prova irrefutável da
origem asiática dos ameríndios, os quais penetraram o continente pelo
Estreito de Bering.
Somos um só
A descoberta de Hoyo Negro
segue o sequenciamento genômico recente dos restos de uma criança de
12.600 anos de idade encontrada em Montana (EUA), que também revelou uma
ancestralidade comum com os nativos americanos.
Até as novas
descobertas, no entanto, poucos dados genéticos de esqueletos
paleoamericanos estavam disponíveis, deixando a sua relação com os
nativos americanos mal compreendida.
Os dados genéticos da
descoberta de Montana são superiores aos de Hoyo Negro porque são
derivados do DNA mitocondrial e nuclear, fornecendo uma raiz muito mais
abrangente do que apenas o DNA mitocondrial, que traça somente linhagens
maternas. A desvantagem do espécime de Montana é que ele é muito menos
completo: foram encontrados apenas quatro ossos e uma porção da caixa
craniana.
“Agora
temos dois espécimes a partir de um ancestral comum que veio da Ásia”,
disse Michael Waters, da Universidades Texas A & M (EUA). “Eles são
complementares e mostram que os paleoamericanos são geneticamente
relacionados aos povos indígenas, de modo que eles não são uma população
de substituição. Suas diferenças têm de ser resultado de uma mudança
evolutiva. O que levou a essa mudança, nós não sabemos”.
Chatters especula que a morfologia dos antigos americanos pode ter mudado conforme suas condições de vida mudaram.
Logo
que os caçadores-coletores altamente móveis tornaram-se mais estáveis,
os processos evolutivos podem ter selecionado traços mais domésticos,
resultando nas características arredondadas e suaves vistas nos rostos
dos nativos americanos.
“Você começa a ver essas formas mais
domésticas quando as mulheres têm mais controle sobre o fornecimento de
alimentos, quando não são tão dependentes de homens agressivos”, diz
Chatters.
Ele acrescentou que esse processo de retenção de alguns
traços juvenis pode ser visto em populações em todo o Hemisfério Norte
entre o final do Pleistoceno e os tempos modernos.
As evidências são fortes…
Em
2007, ao explorar e mapear o sistema de cavernas mexicanas Sac Actun,
os mergulhadores descobriram um conjunto de ossos na parte inferior de
uma câmara enorme. Os ossos incluíam os de felinos com dente de sabre
extintos, preguiças gigantes e outros animais do Pleistoceno, bem como
esqueleto de Naia.
A menina estava provavelmente em busca de água. “A água teria sido
escassa naquele período. Não existem lagos e rios na região, assim as
pessoas e os animais tinham que se aventurar em cavernas”, especula o
arqueólogo Dominique Rissolo.
Naia foi encontrada com uma bacia
quebrada, provavelmente a partir do impacto da queda. Ela também mostra
sinais de cáries e osteoporose, talvez como resultado de engravidar em
uma idade precoce, antes de atingir a maturidade física completa.
A
submersão da caverna entre 10.000 e 4.000 anos atrás ajudou a preservar
o esqueleto de Naia, e a falta de deposição de sedimentos deixaram seus
ossos à vista clara para os mergulhadores. “Ela está muito
mineralizada, o que é ótimo para obter medidas esqueléticas”, disse
Rissolo. “Mas, para datar, é uma situação completamente diferente”.
Sem
qualquer colágeno ósseo para datação por radiocarbono, a equipe
triangulou a idade do esqueleto determinando a idade de cristais de
calcita conhecidos como “florzinhas” crescendo sobre os ossos de Naia, e
estudando fezes de morcego nas proximidades e o esmalte dos dentes da
Naia.
Tudo isso, juntamente com os restos animais da era do
Pleistoceno nas proximidades e as estimativas de quando a caverna teria
inundado, levaram a equipe a concluir que ela tinha pelo menos 12.000
anos, talvez mais perto de 13.000.
…mas descarte a certeza
De
acordo com David Meltzer da Universidade Southern Methodist, no Texas
(EUA), variações físicas existem em qualquer população e a amostra que
temos (apenas dois indivíduos, sendo que um não está completo) é muito
pequena.
“Imagine analisar uma dúzia de crânios de Nova York, eles
não seriam muito parecidos. Temos que ser muito cuidadosos ao tirar
conclusões baseadas em amostras relativamente pequenas. Isso é verdade
para a anatomia do esqueleto, e é verdade para a genética”, argumentou.
Os
pesquisadores agora esperam sequenciar todo o genoma de Naia. “A
tecnologia atual permite isso, mas ainda será um desafio”, disse Brian
Kemp, antropólogo molecular na Universidade Estadual de Washington
(EUA).
Eles também esperam encontrar mais esqueletos que apoiem
suas conclusões. “Você não prova um argumento baseado apenas em um
exemplo, na ciência”, disse Chatters.
Fonte: https://hypescience.com/