Por Salvador Nogueira
Stephen Hawking ataca novamente. O famoso físico britânico lançou um
alerta à humanidade ao destacar que a manipulação do bóson de Higgs — a
tal “partícula de Deus”, descoberta em 2012 no maior acelerador de
partículas do mundo — pode levar à destruição do próprio Universo.
OK, todos sabemos que o bom e velho Hawking é mesmo dado a afirmações grandiosas. Recentemente ele disse que talvez buracos negros não existissem. Mas esta bateu todos os recordes. Poderia mesmo um experimento de física levar ao fim do cosmos como o conhecemos?
O físico delineia a ideia não num trabalho científico, mas no
prefácio de um novo livro chamado “Starmus”, um apanhado de artigos de
astrônomos e astronautas renomados, reunidos num festival científico de
mesmo nome realizado em Tenerife, na Espanha, em 2011 (a segunda edição
acontecerá em duas semanas).
“O potencial de Higgs tem a preocupante característica de que possa
se tornar metaestável em energias acima de 100 bilhões de
giga-elétronvolts (GeV)”, escreveu o cientista britânico. “Isso
significa que o Universo poderia sofrer um decaimento catastrófico do
vácuo, com uma bolha do vácuo verdadeiro se expandindo à velocidade da
luz. Isso poderia acontecer a qualquer momento, e não veríamos o que nos
atingiu.”
É de apavorar, não? Mas calma, não priemos cânico. Vamos primeiro
tentar entender a história, e depois perceber que não é tão ruim quanto
parece.
O bóson de Higgs, talvez você se lembre, causou muito alarde em 2012,
quando foi finalmente descoberto, após meio século de busca. Os
experimentos conduzidos no LHC, o Grande Colisor de Hádrons, confirmaram
que essa partícula — a peça que faltava no quebra-cabeças da física de
altas energias — de fato existe e é a responsável pela massa de todas as
outras partículas.
Talvez não soe tão grandioso posto dessa forma, mas lembre-se: a
massa é o que gera a gravidade. E, se não houvesse gravidade no
Universo, estrelas não poderiam se formar, nem planetas, nem nós. Não é à
toa que o físico ganhador do Nobel Leon Lederman deu a ela esse apelido
imponente, “partícula de Deus” (ou “partícula-Deus”, como queira).
Um detalhe importante: não é a partícula em si que produz a massa. É o
campo associado a ela — uma entidade real que permeia o espaço. Em
essência, o campo de Higgs é como uma gosma pegajosa que existe em toda
parte. As demais partículas, ao atravessá-lo, sofrem resistência. E com
isso ganham suas massas. Cada partícula interage de forma diferente, e
por isso tem massa diferente. Já uma partícula que parece indiferente ao
campo de Higgs é o fóton, que faz a luz. Por isso a luz viaja pelo
espaço na velocidade máxima permitida — ela não sente a gosma pegajosa
e, portanto, não tem massa.
Certo. O que Hawking está dizendo é que alguns cálculos sugerem que
nem sempre esse campo de Higgs se comporta dessa maneira — o potencial é
“metaestável”. Se você colocar energia suficiente nele, talvez ele se
torne outra coisa. E aí é como desligar a massa das partículas,
reajustá-la ou invertê-la. A gravidade para de funcionar do jeito
tradicional e o espaço se expande violentamente. A própria matéria se
dissipa, com seus componentes todos subitamente acelerando à velocidade
da luz, sem ter mais as amarras da gosma pegajosa.
Não bom.
SEM RISCO IMEDIATO
A única coisa que nos deixa tranquilos é a energia envolvida para que
isso — talvez, apenas talvez — aconteça. Hawking fala em 100 bilhões de
gigaelétron-volts. É um montão. Para que se tenha uma ideia, o Higgs foi
descoberto no LHC com uma energia de 4.000 gigaelétron-volts. De 4.000
para 100.000.000.000 tem um bocado de zero a mais.
“Um acelerador de partículas que atinja 100 bilhões de
gigaelétron-volts teria de ser maior que a Terra, e é improvável que
seja financiado no atual clima econômico”, brinca o físico britânico.
A grande pergunta é: o potencial do Higgs é mesmo metaestável? Ou
seja, é possível em tese bagunçá-lo e zoar o Universo? Ninguém sabe.
Contudo, não parece absurdo.
Afinal, alguma coisa muito parecida com isso deve ter acontecido lá
atrás, 13,8 bilhões de anos atrás, para dar início à expansão do
Universo. Em seu texto, Hawking sugere que a melhor forma de
investigarmos essa questão cientificamente é justamente olharmos para
trás, para o Big Bang, onde talvez tenha havido a energia necessária
para desestabilizar o Higgs.
UMA IMODESTA ESPECULAÇÃO
Permita-me, caro leitor, compartilhar um voo da minha imaginação diante dessas observações de Hawking.
Imagine por um momento que houvesse um outro universo antes do nosso —
antes do familiar Big Bang, ocorrido 13,8 bilhões de anos atrás. Nesse
antigo cosmos hoje inacessível, talvez até destruído ou sobreposto pelo
nosso, havia uma civilização tão curiosa quanto a humana. Eles
gradualmente galgaram os degraus do avanço tecnológico, indo de paus e
pedras a bombas atômicas e aceleradores de partículas, como nós fizemos.
Então eles excederam nossas atuais capacidades. Em muito. E
descobriram, com certo espanto, que seu Universo não era tão confortável
quanto poderia ser. Talvez tenham identificado que ele fosse acabar num
Big Crunch, esmagado pela própria gravidade, ou quiçá consumido pelo
frio e inexorável avanço da entropia, destruindo toda e qualquer
estrutura que pudesse nutri-los. Mas esta civilização não queria morrer,
nem queria ver o cosmos encontrar seu fim.
Decidiram então aplicar todos os seus conhecimentos avançados em um
experimento final — a desestabilização do campo de Higgs e a consequente
ressurreição do Universo. A iniciativa produziria uma imensa bolha de
espaço-tempo, crescendo a uma velocidade espantosa e convertendo energia
do vácuo em matéria. Um novo cosmos nasceria. Talvez eles pudessem
adentrá-lo no instante exato para sobreviver em seu interior. Talvez
não. De toda forma, tomaram todo o cuidado, em seus cálculos, para
produzir a quantidade exata de matéria e energia no processo de expansão
cósmica, de forma que o novo cosmos não só fosse duradouro e
hospitaleiro, como também plano e infinito até onde se pudesse ver.
Amigável à vida. Nascia daí o nosso Universo, cuja sintonia fina é
aparente e espanta os cosmólogos, mas somos hoje incapazes de
compreender por quê.
Será que algo assim pode ter acontecido? Deixo ao leitor a inglória tarefa de julgar a verossimilhança.
Fonte: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/
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