Com tantos exoplanetas sendo descobertos, parece cada vez mais
provável que planetas que possam abrigar a vida sejam muito comuns, o
que levanta a velha questão: por que ainda não encontramos vida
alienígena?
A resposta a esta pergunta está escondida na resposta a outra
pergunta: dadas as condições adequadas, a vida surge espontaneamente, ou
não bastam as condições estarem presentes, é preciso um lance de sorte
incrível?
Um exame de como as células são constituídas levou Nick Lane a dar
uma olhada em um mecanismo que é tão básico que deve ser universal:
todas as células consomem energia. Muita energia.
Uma célula moderna usa enzimas para aproveitar cada joule de energia
das moléculas que encontra, mas este é um processo que foi afinado por
bilhões de anos de seleção natural. Além do mais, a quantidade fenomenal
de energia usada por uma célula moderna deve ser bem menor que a
quantidade de energia que uma célula primordial, com mecanismos mais
primitivos e menos eficientes, usava.
E de onde vem esta energia? Esqueçam a energia do sol, a fotossíntese
é muito complicada para ter surgido logo no início. O aproveitamento de
raios ultravioleta ou raios elétricos também está fora de questão. A
energia deveria estar disponível em grandes quantidades, e pronta para
ser usada.
Uma ideia proposta pelo bioquímico Peter Mitchell em 1961, polêmica
por sinal, era de que as células originais obtinham sua energia não por
processos químicos, mas elétricos, especificamente uma diferença de
concentração de prótons. As células modernas tem um mecanismo destes
funcionando na membrana, que tem diferentes concentrações de prótons dos
dois lados dela. De fato, parte da energia usada pelo genoma das
células é dedicada a controlar o gradiente de potencial das membranas;
se ele se desfaz, a célula morre.
A energia do potencial elétrico pode ser usada para movimentar um
flagelo ou então produzir proteínas. Só que o aparato celular que usa
esta energia é extremamente complexo, o que nos deixa com um paradoxo
nas mãos, já que estes mecanismos não poderiam alimentar as necessidades
de energia das células primordiais.
A resposta para a fonte de energia das células primordiais que Nick
acha mais provável é a de chaminés hidrotermais, que surgem quando a
água entra em rochas calcáreas – chaminés hidrotermais alcalinas.
Por um processo simples, estas fontes se formam quando a água
infiltra-se em rochas calcáreas, produzem serpentinita, aquecem e
produzem água alcalina, com “carência de prótons”, e hidrogênio, H2.
Esta água sai do solo em rachaduras, e os íons dissolvidos nela
precipitam ao entrar em contato com a água fria do oceano, formando
“chaminés”. Se a abundância de CO2 era maior na Terra primordial, como
sugerem as pesquisas, os oceanos eram levementes ácidos nesta era, o que
nos leva a uma configuração favorável ao surgimento de moléculas
orgânicas simples: tubos calcáreos, ricos em ferro e outros minerais,
contendo no seu interior uma solução pobre em prótons, imersos em um
oceano rico em prótons. A diferença de potencial entre o lado externo e
interno poderia levar o CO2 a reagir com o H2.
Se, e este é um grande se, as reações de CO2 com H2 produzirem
moléculas orgânicas nestas condições, esta reação liberaria energia. Há
uma distância enorme entre uma chaminé hidrotermal que produz moléculas
orgânicas e uma célula que faça a mesma coisa, mas se houver uma
sequência de passos que permita que isto aconteça, isto significa que,
para ter uma célula, a receita mais simples pede apenas água, rochas e
CO2. Este processo é possível? É cedo para dizer, mas o trabalho de Nick
Lane é exatamente nesta hipótese.
Olhando por este lado, a vida deve ser abundante, o que nos leva ao
ponto de partida: onde está esta vida então, e por que não fez contato
conosco?
O problema está no próximo passo: a passagem de um mundo procariota
para um eucariota. E este passo parece ser extremamente raro. Aqui na
Terra, por exemplo, bilhões de anos de seleção natural numa população de
bactérias produziram apenas bactérias. Bactérias extremamente eficazes
para fazer o que bactérias fazem, mas minúsculas bactérias, ainda. E as
células primitivas das bactérias simplesmente não tem o aparato
necessário para fazer uma planta, um inseto ou um mamífero.
E quais as diferenças entre uma bactéria e uma célula eucariota? A
primeira diferença está no tamanho. Uma célula eucariota típica é 15 mil
vezes maior que uma bactéria típica. E isto faz uma diferença enorme.
Aparentemente, há uma penalidade enorme aplicada quando você aumenta o
tamanho de uma bactéria até o tamanho de uma célula: a quantidade de
energia disponível por gene cai em milhares de vezes. Como os genes
precisam estar próximos da membrana para controlar seu potencial, um
crescimento de volume implica em um aumento do genoma, e o resultado
final é que não há um ganho de energia por cópia do genoma.
A outra diferença entre bactérias e células eucariotas está na
complexidade. As bactérias são extremamente simples, comparadas com as
células eucariotas – a seleção natural favoreceu organismos simples e
eficientes, no caso das bactérias.
O problema que temos então é que para termos eucariotas, as células
simples precisam crescer em tamanho e em complexidade, mas quanto mais
genes uma célula simples obtém, menos ela pode fazer com eles, e isto é
um problema evolutivo. E como as células eucariotas resolveram o
problema? Com mitocôndrias.
Em algum momento há dois bilhões de anos, uma bactéria entrou dentro
de outra e começou a se multiplicar, suas “filhas” competindo para ver
quem produzia mais energia com menos genoma. Esta corrida produziu as
mitocôndrias de hoje, que baixaram de prováveis três mil genes para
apenas 40 ou algo assim, todas elas extremamente especializadas em
produzir energia.
A emergência da vida mais complexa então parece depender de um evento
único, a incorporação de uma bactéria dentro de outra, num tipo de
associação extremamente raro em células mais simples.
Bilhões de anos de evolução das bactérias produziu apenas bactérias
melhores. Foi preciso este evento único para que os eucariotas surgissem
e, com eles, todas as formas complexas de vida que vemos hoje. Sabemos que isto aconteceu apenas uma vez por que tudo descende do mesmo ancestral comum.
Então, quais as chances de haver vida? A vida celular simples
possivelmente só precisa de água, rochas e CO2 – a termodinâmica
praticamente torna obrigatório o surgimento de células simples. O
universo deve estar cheio de planetas pululando de bactérias. Mas para
surgir vida mais complexa, é preciso um evento que parece extremamente
raro: a incorporação de mitocôndrias.
Mas já conhecemos um evento raro que ocorre o tempo topo: a explosão
de estrelas. Apesar de ocorrer com pouca freqüência em nossa galáxia
devemos lembrar que o universo contém centenas de bilhões de galáxias,
cada uma contendo centenas de bilhões de estrelas. Por isso explosões
estelares podem ser observadas corriqueiramente. Também sabemos que cada
estrela é um sistema planetário em potencial, portanto faça as contas.
Podem haver outras explicações para a ausência da descoberta de vida
alienígena, como disparos de raios gama que esterilizam planetas
promissores, ou civilizações promissoras que se aniquilaram. Mas pode
ser também que a gente tenha vizinhos bem próximos, e, se algum dia eles
fizerem contato, Nick está apostando que eles tem mitocôndrias em suas
células.
Fonte: http://www.newscientist.com/