Cientistas descobriram dois vírus que desafiam a classificação da
vida. Maior e geneticamente mais complexos do que qualquer gênero viral
conhecido pela ciência, os chamados “pandoravírus” podem reacender um
debate de longa data sobre a classificação do que é considerado vida.
Esse nome foi dado devido às surpresas que os seres podem ter reservado
aos biólogos, em referência à figura mítica grega que abriu uma caixa e
liberou o mal no mundo.
Houve um tempo em que os cientistas consideravam os vírus seres muito
pequenos e simples. Até que sugiu o “mimivírus”, descoberto em 1992. À
época, se tratava, de longe, do maior e mais complexo vírus já
encontrado pelos cientistas.
Com 600 nanômetros de diâmetro (dimensão comparável em tamanho a
algumas bactérias) e com um genoma de cerca de mil genes, o mimivírus em
muitos aspectos possuía maior semelhança com uma bactéria parasita do
que com um vírus. Em comparação, o HIV mede apenas 120 nanômetros de
diâmetro e contém um total de apenas nove genes. O nome “mimivírus” vem
da abreviatura em inglês de “vírus imitando (mimicking) micróbio”.
Uma vasta lista de outros vírus de grande porte têm sido descobertos
desde então – o mamavírus, por exemplo, e o apropriadamente chamado
megavírus. Nesta quinta-feira (18), no entanto, pesquisadores da
Universidade de Aix-Marselha, liderados pelos biólogos Jean-Michel
Claverie e Chantal Abergel (que ajudou a revelar o mimivírus) anunciaram
uma descoberta ainda mais surpreendente.
Trata-se do pandoravírus, recolhido na lama de águas costeiras de
Melbourne, na Austrália, e da região central do Chile, que é duas vezes
maior do que qualquer outro vírus conhecido pela ciência. Cada um deles
possui cerca de 2.500 genes, 2.300 dos quais inteiramente novos para a
biologia. Pandoravírus, em outras palavras, não são apenas enormes,
também são inconfundivelmente diferentes de qualquer vírus conhecido na
terra – incluindo outros vírus gigantes.
O fato de esses pandoravírus serem tão geneticamente únicos (sem
contar que eles foram coletados em continentes completamente diferentes)
sugere que os gêneros virais gigantes podem ser mais comuns do que se
acreditava anteriormente. Além disso, os vírus recém-descobertos ainda
levantam questões interessantes sobre as fronteiras entre as células
vivas e os vírus inanimados.
A equipe também realizou vários experimentos para confirmar se os
pandoravírus eram realmente vírus. Usando microscópios de luz e
eletrônicos, os cientistas acompanharam um ciclo de replicação completa
dos seres recém-descobertos. Eles identificaram, com isso, os três
critérios fundamentais para classificá-los como vírus.
Eis uma brincadeira divertida para se jogar na próxima vez que você
encontrar seus primos biólogos. Primeiro, aguarde uma pausa na conversa.
Em seguida, mexa-se despretensiosamente em sua cadeira e casualmente
pergunte se os vírus são seres vivos. Muito bem! Você acaba de alimentar
as chamas do debate que os profissionais da área têm travado por cerca
de um século. Sente-se e desfrute. De preferência, com um pouco de
pipoca.
O recém-descoberto pandoravírus pode aumentar esse debate. “Primeiro
vistos como veneno, depois como formas de vida e então como produtos
químicos biológicos, os vírus hoje estão em uma área cinzenta entre os
seres vivos e não vivos”, escreve o biólogo molecular Luis Villarreal em
artigo para a revista Scientific American. “Eles não podem se
reproduzir por conta própria, mas podem fazê-lo em células
verdadeiramente vivas e também podem afetar o comportamento de seus
hospedeiros profundamente”.
A ambiguidade decorre, em grande parte, de natureza paradoxal do
vírus. Por um lado, eles possuem muitas características que nós
associamos com a vida, como a presença de DNA e RNA e a capacidade de
evoluir. Eles também são capazes de tomarem para si a estrutura celular
de seus hospedeiros, que eles exploram para se reproduzir, se espalhar e
infectar, às vezes, com eficiência letal.
É uma façanha impressionante e assustadora, especialmente para algo
que não tem a capacidade de produzir suas próprias proteínas. Além
disso, eles são seres bastante pequenos, fisicamente, pensavam os
cientistas, e seus genomas são minúsculos. Eles não têm parede celular e
nem sequer passam por processos metabólicos.
São razões como essas que fizeram a participação dos vírus ser negada
na grande árvore da vida. Dez anos atrás, no entanto, a descoberta
acidental do mimivírus forçou muitos cientistas a reconsiderar a
qualificação do que é vida. Os pandoravírus, com seu tamanho desmedido e
composição genômica sem precedentes, dão ainda mais razões para que os
cientistas repensem essa classificação.
“Uma vez que mais de 93% dos genes dos pandoravírus não remetem a
nenhum ser conhecido”, escrevem os pesquisadores na última edição da
revista Science, “a sua origem não pode ser rastreada a qualquer
linhagem celular conhecida”. No entanto, eles ponderam, o seu DNA
polimerase se assemelha ao de outros vírus gigantes, sugerindo a
existência de um controverso quarto domínio da vida”.
Ou seja, eles podem “inaugurar” um ramo até então desconhecido da
vida, que é diferente dos aceitos três domínios: Eubacteria (que
compreende as bactérias), Archaea (que inclui os procariontes que não se
encaixam na classificação anterior), e Eukaria (que inclui todos os
eucariontes, os seres vivos com um núcleo celular organizado como nós,
os animais e as plantas).
Fonte: http://io9.com/
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