sexta-feira, 20 de maio de 2011

Werner Herzog: “Trabalhei sem público durante anos”

O cineasta alemão veio a São Paulo para a abertura de uma mostra em sua homenagem e participou de uma conversa aberta ao público.

Um senhor alto, vestindo terno com risca de giz e sapatênis entra no auditório. Simpático, sorri, conta piadas, é gentil ao responder as perguntas do interlocutor. O idioma da conversa, o carrancudo alemão, não descaracteriza seu semblante do bem. Nem parece o diretor de filmes contundentes como Stroszek, visto pelo músico Ian Curtis, do Joy Divison, antes de cometer suicídio. A foto ao lado talvez tenha a ver um pouco mais com sua produção artística.

Werner Herzog, de 68 anos, veio a São Paulo na segunda-feira (16) e vai embora nesta terça. Na rápida passagem pela capital paulista – cuja vibração lembra Los Angeles para ele –, o cineasta foi ao Instituto Goethe para a abertura de uma mostra em sua homenagem, e nesta terça participa de um congresso sobre jornalismo cultural. A agenda apertada tem uma justificativa: o Goethe lançou uma coleção de 10 DVDs com 26 documentários de Herzog, em dez idiomas diferentes. O diretor trata este instituto alemão com carinho, uma vez que seus filmes nunca tiveram grande público. “Trabalhei sem público durante anos. Certa vez, fui a um debate sobre um filme meu e tinha sete pessoas!”, diz. O Goethe se encarregou de exibi-los mundo afora, mantendo-os vivos. O público que o diretor tem no Brasil, segundo ele, foi criado a partir do trabalho do instituto há pelo menos 40 anos.

A mostra Sou o que são meus filmes, exibirá até dia 21 de maio, 20 documentários de sua autoria e produzidos entre 1965 e 2005. Conhecido pelas obras ficcionais, como Aguirre - a Cólera dos Deuses, Nosferatu - o Fantasma da Noite e Fitzcarraldo, o lado documental de Herzog será exposto na mostra, o que não significa que se trate do “cinema verdade”. O diretor, aliás, é contra essa ideia de que documentário é 100% objetividade. “Quando eu coloco a câmera em algum lugar já é uma seleção”, afirma. Para ele, a objetividade não existe no cinema e seria errado tentar trabalhar com ela. “É uma bobagem. Nós, diretores, agimos”, diz, sobre a ideia de que alguns documentaristas defendem que eles devem se portar como meros observadores da realidade.

Para provar sua tese, ele cita Lições da Escuridão, de 1992, quando tropas iraquianas incendiaram campos de petróleo durante sua retirada do Kuwait. “O filme não menciona Saddam Hussein, não menciona o Kuwait e é quase uma ficção científica. Não parece que foi rodado em qualquer lugar da Terra”, afirma. A ideia é retratar o apocalipse por meio das imagens. No início do filme há uma frase que seria do físico, matemático e filósofo Blaise Pascal, com o objetivo de guiar o espectador para o que será exibido. A frase, no entanto, é do próprio Herzog – e ilustra sua luta contra a objetividade. “É inventado, mas não é falsificação. É uma possibilidade de um momento de iluminação antes do filme”, justifica. Seus documentários, portanto, miram na poesia das imagens, é uma nova relação entre filme e informação pura.  

Prova disso é o sucesso de seu último filme, que estreou há duas semanas nos Estados Unidos. Cave of Forgotten Dreams é todo especial por dois motivos. Primeiro porque é filmado em 3D, técnica muito criticada por Herzog: “funciona bem quando você faz coisas pirotécnicas, como Avatar. Mas não contribui em nada para o cinema”, diz, ácido. Além disso, o diretor não se sente bem ao assistir em 3D, sente desconforto visual, assim como esta repórter já havia escrito à época do lançamento do longa de James Cameron. Segundo porque foi gravado dentro das cavernas de Chauvet, no sul da França, onde há gravuras e pinturas de 32 mil anos – as mais antigas encontradas até hoje. As cavernas são fechadas e só pesquisadores podem visitá-la – Herzog foi o único a conseguir permissão para filmar lá dentro. A equipe de filmagem só podia caminhar sobre uma esteira de metal porque logo ao lado podia haver pegadas de um urso de 20 mil anos atrás. E também deveria ficar longe das paredes, já que pinturas poderiam ser destruídas com um ocasional esbarrão, e até mesmo com a luz. Por isso o filme é meio escuro. 

A ideia de filmar em 3D veio das características da caverna e das pinturas. “Havia nelas algo de dramático, há partes da rocha em queda. As pinturas exploram a curvatura da rocha”, diz. Isso reforça a ideia do ataque animal, segundo ele, e a imagem em 3D representaria isso bem aos mortais que jamais poderão ver essas obras ao vivo. A fórmula teve sucesso, e a crítica é só elogios ao filme. Mas ele não poderia terminar sem alguma dose fictícia. No caminho para as cavernas, Herzog passou por usinas nucleares e encontrou jacarés albinos – que, no filme, aparecem como “jacarés albinos mutantes radioativos”. A plateia, muito maior do que sete pessoas no auditório, gargalha.

O bom humor é uma constante na conversa, com o jornalista Eduardo Simões. O cineasta ri de si mesmo, e conta histórias engraçadas que aconteceram com ele e também misturaram realidade com ficção. Há, no YouTube, uma série de vídeos de pessoas falando em inglês com o sotaque característico de Herzog e atribuindo a ele esses vídeos. Tudo não passa de imitação. “Há uma dúzia de dublês e impostores (que imitam minha voz). Eu não tenho nada contra”, afirma. Se tem os que acreditam em mentira, há os que criam histórias mentirosas em cima da verdade. Certa vez, atiraram no diretor enquanto ele concedia entrevista à rede BBC. As imagens foram ao ar e não foram poucos os que disseram que aquilo era efeito especial. “Mas eu levei um tiro, que doeu durante um ano. Até hoje, quando rio muito, dói um pouco”, diz.

Aliás, tiro é uma coisa que Herzog indica para todos os homens. “Para homens, não tem coisa mais excitante do que levar um tiro que não teve sucesso (o de matar)”, diz. Essa é a diferença entre ser homem e mulher, segundo ele. Outras coisas que ele já fez e diz que todo ser provido de masculinidade deveria fazer também: “a nenhum homem faria mal passar um tempo na prisão, ser pai, comer um sapato por uma boa causa, fazer uma viagem a pé”. Sua vida foi, sem dúvida, cheia de causos interessantes, como o dia em que ele ficou com medo Papai Noel e correu para debaixo da cama. Na porta, viu um homem de terno marrom – mas que também podia ser um macacão – e acreditou ser Deus. Porque aquela era a imagem da bondade que ele imaginava para Deus. Depois descobriu se tratar de um funcionário de uma usina próxima à sua casa. Criativo desde menino.  

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/

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